Set 26

Santa Cruz

Pensei, pensei e repensei se devia fazer este post.
Ser fotógrafo não é só mostrar um mundo cheio de famílias felizes e miúdos loiros de olhos azuis. Ser fotógrafo tem uma carga e uma responsabilidade de que muitos não se apercebem. É retratar o mundo (de alguém). E por mais que esse mundo seja pesado só temos de o suavizar.

Conheci a Ana ainda grávida. Encontrou-me porque partilhávamos a mesma história. As duas tínhamos filhos cardíacos. É muito raro acontecer mas o problema era exactamente o mesmo.

Encontrou-me pelo blog que, na altura, escrevia. Eu tinha prometido a toda a família que daria notícias diárias do estado de saúde do B quando fosse operado. Coisas da internet e o miúdo ficou mais conhecido que o Tony Carreira.
Quando voltámos para casa recebi um mail da Ana. Chorei tanto. Tinha acabado de resolver os piores 2 anos da minha vida e Deus punha-me o M no caminho. Contou-me a história da sua vida e só tinha duas hipóteses: ou lhe mandava na resposta uma lista de médicos e clínicas onde ir ou pedia-lhe que viesse a minha casa conhecer o B.
Chegou-me uma miúda de sorriso fácil e conversa leve. Cheguei a achar que a ignorância do que a esperava a fazia assim. Afinal vim a confirmar que as cruzes que carregamos no caminho “nos” dão leveza e serenidade.
Apesar de o meu problema ter acabado de ser ultrapassado o dela ainda tinha de ser resolvido. Havia muito caminho a percorrer e contar a minha história foi difícil. Estava cansada de termos técnicos, nomes esquisitos, nomes de exames e procedimentos médicos mas uma família inteira pôs toda a sua esperança no B. O miúdo de cabelo branco que no dia da visita, 5 dias depois de termos tido alta, dançava na sala ao som da música.

Todo o percurso de vida do M foi muito semelhante ao do B. Só respiraram ar puro uns meses depois de conhecerem o mundo e quando o ar puro já era puro de mais para eles voltaram à primeira casa.

Agora, depois de uns meses difíceis, a Ana pediu-me que documentasse esta segunda passagem pelo hospital. Não fiz nenhum juízo. Já lá estive e sei que cada um passa por cada episódio da sua vida de uma maneira diferente. Uns fazem questão de esquecer, outros escrevem livros e alguns pedem que alguém o documente. A Ana simplesmente quer esta fase seja tão importante para o M, e para ela, como apagar a primeira vela, rir ou dizer a primeira palavra.

Cada um tem a sua catarse. Eu escrevi. Talvez um dia acabe em livro.

O M foi operado há uma semana e correu tudo melhor que o esperado. Ainda está na UCI mas logo, logo irá para casa, crescer.

About the Author:


Leave a Comment!

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *